Fernanda e sua sina
Fernanda usa uma determinada marca de sabão de coco, não existe chance de troca. Já tentou
outras, sem sucesso. Quando está próximo de acabar inicia-se a tortura. Imagina-se que
não haverá vida sobre a terra se não encontrar o sabão em algum supermercado, loja, feira,
vendinha, bodega. Toda a família precisa procurar, não se pode medir esforços. Imagina-se o
final dos tempos. Paulo, seu marido há 15 anos conhece o desafio, perdeu domingo inteiro a
procura do tal sabão.
Da última vez que acabou, só em Recife foi encontrado, após telefonemas pra familiares que,
sem entender direito, foram em busca do objeto tão desejado. Comprou-se tanto que a caixa
do supermercado perguntou se era pra revenda, não podemos imaginar Fernanda sem o
sabão, ela não dorme, não pensa em outra coisa. Liga para todos os lugares.
O sabão é um troféu, algo mágico que traduz o comportamento conservador de Fernanda, não
admite troca, ela é presa a marcas, padrões. Transformou a vida em uma rotina exata, sem
riscos. Não mexer no que está quieto é o lema. Zona de conforto trás segurança. Viver dessa
maneira a afasta do medo de sofrer e de precisar tomar decisões novas.
Fernanda não sabe viver o inesperado, desespera-se. Tenta manter a calma, não consegue.
Imaginar uma vida nova é uma tortura. Adoece para fugir da mudança. Dorme e acorda
pensando que tudo vai voltar ao normal.
O comportamento em relação às marcas não é tão ruim, prejudica mais, prisão a padrões,
relacionamentos falidos que se arrastam por medo da ousadia, conhecer o novo, quebrar a
cara.
Convivemos com pessoas que tem um imenso medo de mudança, seja no trabalho, colégio,
família. Passam a vida sustentando atos falidas, gastam uma energia enorme para não
enxergar o óbvio. Chegam a se endividar para manter uma empresa, deixam a vida passar.
Penso na dificuldade encontrada por pessoas com este comportamento, que não arriscam,
não sonham, não enfrentam o que não conhecem. O novo assusta, mas é uma grande
oportunidade de ganho.
Uma mudança de casa, seja para um lugar melhor ou pior faz com que consigamos jogar
muitas tralhas fora, coisas guardadas que jamais serão usadas, roupas que não cabem, que
estão no armário apenas para provar o que não somos mais. Prende-nos a um passado que
não voltará
Quantos casamentos se transformaram em irmandade, em respiração boca a boca,
uma tentativa de sobrevivência? Ambos desistem de viver, passam a agir como crianças
dependentes, pisam em ovos para evitar uma discussão, mal entendido. Esquecem o amor,
erotismo, toque, prendem-se a rotina. Sem surpresas. Onde está a vontade de viver?
Mudar não significa fragilidade de caráter. É preciso flexibilidade para evoluir e se divertir com
a vida.
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