BACALHAU PODRE
Naquele dia de verão completavam seis
meses da morte da esposa. Deu uma dor no peito, a saudade da mulher bateu
forte. Sua imagem veio junto a algumas lágrimas, foram mais de 30 anos de
convivência. Levantou-se, foi ao banheiro, vestiu um velho calção de banho e partiu
em direção ao mar. Marciel não abre mão da caminhada matinal, dá-lhe bem estar,
oxigena o cérebro, rejuvenesce.
Durante a andança, enfiando o pé na areia molhada da praia de Boa
Viagem, recordou o tempo de estudante no Recife. Ao passar em frente ao
Edifício Acaiaca, o mais chique nos anos 60, lembrou as belas festas no apartamento
de um amigo, terminavam ao amanhecer, tirava a ressaca com um mergulho naquele
mar verde azulado, morno, tranquilo, de pequenas ondas.
De
volta à pousada, em torno das nove horas, enquanto Marciel tomava um reforçado
café da manhã, uma recepcionista ofereceu um passeio à Olinda. Ele acertou na
hora. De bermuda no ônibus, sentou-se solitário numa poltrona dos fundos.
Quando o motorista deu a partida, ouviu-se um grito. Era uma retardatária do
passeio, atrasada. Ao subir, a moça levou uma vaia de seus amigos, que gozavam
seus atrasos. Sentou-se junto a Marciel.
O
ônibus partiu, ele a cumprimentou com a cabeça, a turista se apresentou: “Sou
Débora, a sempre atrasada.” Durante o percurso conversaram amenidades.
Marciel
tem costume de analisar as pessoas. Débora, mulher bonita de idade indefinida
entre 35 a 40 anos. Cabelos castanhos
escorridos, pele bem tostada, curtida pelo sol, olhos grandes e castanhos,
narinas achatadas, boca grande e carnuda. Marciel, detalhista, percebeu que por
baixo da canga azul havia belas pernas com penugem douradas. A decepção ficou
por conta das unhas quebradas e mal pintadas, cabelos assanhados, e uma mancha
de gordura no sutiã do biquíni. Concluiu que a moça bonita deveria ser relaxada
e preguiçosa.
Outras informações sobre a companheira de passeio, foram dadas por ela
mesma em conversa durante a viagem: solteira, não trabalhava, o pai tinha uma
fazenda perto de Teresina. Estava fazendo turismo com amigos do Piauí. Gostava
de viajar, mas era extremamente preguiçosa para acompanhar o grupo.
Ao
chegar a Olinda, o guia iniciou um percurso mostrando as belezas da cidade
patrimônio da humanidade. Débora se despediu dos companheiros apontando para um
bar em frente à praia, local onde ficaria tomando sol quente e algumas cervejas
geladas. Passou por Marciel e convidou:
-
“Quem gosta de velharia é museu. Venha comigo, garanto como vai se divertir
muito mais naquela barraca.” E prosseguiu seu caminho.
Marciel conhecia bem Olinda, preferiu acompanhar Débora rumo à praia.
Ficaram bebericando e sorrindo com as aventuras de Marciel, um excelente
contador de histórias.
Ao entardecer retornaram para o Recife. Na
pousada, Marciel e a piauiense ficaram na beira da piscina bebericando uísque.
Ele deu alguns mergulhos, Débora resistiu, não entrou na água. Jantaram
tira-gosto.
Por volta das oito da noite, os dois estavam de pileque, resolveram
terminar a noitada no apartamento de Débora. Assim que entraram, se atracaram,
estavam de roupa de banho, se beijaram feitos dois animais. Finalmente ele
deitou-a com carinho na cama, tirou-lhe o sutiã, beijou-lhe o corpo salgado. No
momento que desceu a peça de baixo do biquíni, teve um inesperado mal-estar ao
sentir um odor fétido vindo da parte íntima de sua musa. Uma inhaca parecida
com bacalhau podre impregnou suas narinas, era fedor de carniça. O cheiro ácido
atingiu o cérebro de nosso herói murchando toda sua virilidade. Brochou.
Marciel educadamente pediu perdão, estava bêbado. Num repente trancou-se
no banheiro. Levantou a tampa do vaso, vomitou o que tinha no estômago. O
cérebro estava comandado pela narina impregnada do podre cheiro da genitália de
sua companheira.
Ao
sair do banheiro, percebeu que Débora dormia, roncava. Aproveitou, e escapuliu
para o seu apartamento. Tomou um demorado banho, uma hora de água morna tentando
acabar o fedor impregnado nas narinas, no cérebro e na alma.
No
dia seguinte, pela manhã, pagou a conta, tomou café. Ligou o carro e prosseguiu
sua planejada viagem pelo Nordeste, rumo à Caruaru. Pensou naquela bela mulher,
que por preguiça não cuidava de si, não tinha autoestima, nem sequer se lavava.
Marciel, homem disposto ao trabalho e ao lazer, condenava qualquer tipo de
preguiça e relaxamento. Pecado capital.
Durante a viagem, dirigindo sozinho pela estrada, veio-lhe a imagem de
sua esposa que, por hábito, tomava banho três vezes ao dia; vivia limpa, bem
tratada, unhas perfeitas, cabelos sedosos, pernas depiladas. De repente deu-se
a magia, sentiu o suave perfume “Fleur de Rocalle” que a falecida usava. E o
mais extraordinário, sentiu a presença da esposa com o discreto e inconfundível
cheiro de suas partes mais íntimas. Arrepiou-se; e emocionado chorou de
saudades.
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