A
COOPERATIVA
A moto corria solta pelo asfalto,
ziguezagueava procurando brechas entre carros, ônibus, caminhões, no caótico
trânsito do meio dia. Micheline dirigia a moto veloz como uma malabarista,
imprudente como ela só. De repente fechou o sinal, ela, desajuizada, não freou,
tentou atravessar a avenida, quase ao chegar do outro lado foi atropelada por
um carro, a moto rodopiou, Micheline foi jogada longe no jardim da praça.
Acordou-se no Pronto Socorro com pernas e braços cheios de hematomas, nada
grave, seu capacete salvou-lhe a vida segundo testemunhas. Foi constatado não
ter osso quebrado, assim que fizeram os curativos, o médico deu-lhe alta, o
hospital estava superlotado, recomendou repouso absoluto. Ao chegar em casa sua
mãe assustou-se e deu o sermão esperado. “Eu não lhe disse, moto é um perigo, e
agora como vai trabalhar? Menina desmiolada. Se aquiete, arranje um emprego num
escritório, esse negócio de moto taxista é para homem e jovem.”
Na verdade Micheline não tem emprego fixo,
nem seguro de saúde, ela é autônoma moto taxista prestando serviços a uma
espécie de cooperativa. Para que Micheline possa trabalhar com mais calma,
eficiência e dedicação seis privilegiados amigos organizaram uma sociedade, uma
cooperativa. Micheline presta serviços especiais aos seis cooperativados. É o
serviço mais antigo da humanidade, até santa existiu nesse ramo, Santa Maria
Madalena, prima de Jesus. Por tudo isso Micheline sente-se segura, os
excelentes patrões não lhe deixam ao Deus dará. Ela tem certeza que darão
cobertura nesse acidente. Na manhã seguinte, ainda enfaixada, deu o primeiro
telefonema, para o deputado explicando o acidente e a situação, estava em casa machucada,
precisava de um adiantamento, ela pagaria com muito amor e carinho, ele sabia.
O deputado não reclamou, ela merecia pela excelência dos serviços, ninguém é
tão eficiente quanto Micheline, mas a repreendeu, precisava ser mais comportada
nesse trânsito maluco, deixasse a loucura apenas para o trabalho, pediu o
número da conta e mandou um assessor depositar R$ 500,00.
Micheline passou o resto do
dia em contatos com os outros cooperativados, o coronel, o secretário de
estado, o cientista político, o suplente de vereador e o professor
universitário aposentado. Micheline presta alguns serviços por fora, sem
conhecimento dos patrões, a um pastor e a uma linda advogada.
Seu verdadeiro nome é Maria
das Dores, Micheline é nome de guerra depois que entrou no ramo. Quando o
cientista político conheceu intimamente aquela morena alta, bonita, cabelos
negros, sorriso escancarado e debochado, olhar de gata no cio, comentou para os
amigos de roda de chope, havia dormido com a mulher do século e do sexo, a
morena mais frajola e quente da redondeza. Nos braços de um homem era a própria
Messalina, libidinosa e voluptuosa, fazia programa há pouco tempo, entretanto,
ela é única, ama o pecado, peca só por prazer e vive para pecar, como diria o
poeta. Diverte-se e gosta dos prazeres da carne. Entre quatro paredes tudo lhe
é permitido. Os amigos ficaram
fascinados com as descrições pormenorizadas do cientista político. Nesse mesmo
dia o coronel telefonou, foi devidamente atendido. Ao encontrar com os amigos
confirmou a eficiência da deusa marrom. Em uma semana todos constaram a
perfeição e dedicação de Das Dores. Alguém teve a ideia da exclusividade entre
eles. Formaram uma espécie de cooperativa, pagamento na hora do serviço, outras
despesas são devidamente repartidas entre os seis amigos. Deram-lhe uma moto e
um celular para ser mais eficiente no atendimento, além de um banho de loja, é
a moto taxista mais chique do Brasil. Seu nome de guerra, Micheline, é devido a
uma preferência, diz ela que se fosse homem seria boiola. Certa vez ela
conheceu um francês elegantérrimo, homossexual assumido de nome Michel, em
homenagem a esse homem, ela se apelidou de Micheline. A moto taxista ama duas
coisas na vida, andar de moto e dar. Os cooperativados depositaram em sua conta
um generoso montante, nossa amiga passou um mês se recuperando. Assim que pôde,
procurou os amigos que a socorreram na precisão, pagou a dívida bem paga com
calorosas tardes de amor a cada um dos beneficiários. Micheline retornou à moto
e ao trabalho, não toma juízo, ama a velocidade, continua correndo nas brechas
do trânsito caótico. Apareceram novos clientes, atende um ou outro quando está
ociosa, porém, a prioridade quase exclusiva é da Cooperativa.
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