Fera Ferida
Praia da
Jatiúca
Sábado
desci do meu confortável apartamento no Principado da Jatiúca para uma volta na
orla. Depois do banho de mar sentei-me a uma mesa no Acarajé da Irmã, tomava
uma cerveja geladinha quando percebi a meu lado o Caldas, solitário, triste, quatro
garrafas de cerveja consumidas embaixo da mesa. Cumprimentei-o, puxei conversa
perguntando por Josina, sua digníssima esposa. Percebi a mancada quando ele me
respondeu com mágoa.
- Foi-se
embora, me largou!
Caldas sorveu um copo olhando distante para
o horizonte do mar azul esverdeado. Pedi-lhe desculpa, não sabia do fato,
fiquei cheio de dedos, continuamos um papo ameno, repetitivo, sem graça, quando
de repente meu amigo desabafou:
- A sacana está em Paris!
Olhando para o chão, ele abriu o jogo;
contou a história nos pormenores.
Na quinta-feira antes do carnaval, Caldas
foi à casa de praia da Barra de São Miguel a fim de prepará-la para receber
amigos e parentes durante a folia. O casal vivia em certa harmonia mesmo com
algumas desconfianças da integridade conjugal do marido. Quando solteiro,
Caldas foi um mulherengo incorrigível, um raparigueiro de primeira ordem, por
conta disso havia resquícios de sua fama. Na verdade nunca perdeu a mania, o
vício de mulher. Durante os 10 anos de casados ele pulou a cerca várias vezes,
discretamente.
Da varanda da casa Caldas contemplava
a bela vista da praia quando apareceu Lucinha, filha da faxineira para ajudá-lo
na arrumação. Ele alegrou-se ao vê-la, “secava” a jovem desde que ela havia retornado
de São Paulo, onde foi morar três anos atrás, com menino no bucho em busca do
pai. Ficou em Sampa até que o marido desapareceu. Ela tentou sobreviver, foi
difícil, teve de retornar à casa da mãe. Lucinha com seus 24 aninhos sabe que
tem um corpo bem torneado e por isso usa minissaia deixando à vista o belo
espécime feminino. Em São Paulo fez alguns programas, aprendeu coisas
inacreditáveis.
Começaram a arrumação da casa, o
patrão ficava perturbado ao olhar aquela moça varrendo o chão, limpando
vidraça. Os dois sozinhos naquela casa, certo momento não se conteve, se
achegou à jovem, alisou seu cabelo, seus braços, ela sorria em cumplicidade,
“Que é isso Seu Caldas?” Terminaram deitando-se no tapete da sala,
abraçaram-se, beijaram-se, amaram-se até a apoteose gritante. Ainda estavam
estirados no chão abraçados quando de repente a porta se abriu. Josina
chocou-se com a cena. Foi um flagrante constrangedor, ela gritou com ódio:
“Você me paga!” Bateu a porta, retornou à Maceió, dirigindo nervosa, aos
prantos.
Caldas não teve coragem de voltar
para casa em Maceió. Procurou amigos, parentes, contou a história, pediu para
fazer a ponte, ele estava arrependido, nunca mais aconteceria, e outras
promessas vãs que todos os pecadores cometem. Josina irredutível mandou recado
que ele não tivesse a ousadia em procurá-la.
Sábado de carnaval, tristonho Caldas
acordou na casa na Barra, pensava muito, avaliando a bobeira que havia feito
ainda bem que não tinham filhos. À noite foi dar uma volta no carnaval do
centro da pequena cidade balneário. Teve um susto quando viu Josina com um
short curto, barriguinha de fora, toda charmosa dançando na rua, pulando com
amigos. Ele deixou passar um tempo, os olhos dos dois se cruzaram. Até que
certa hora o álcool deu coragem, Caldas foi até Josina. Ela o empurrou, disse
que chamava a polícia. Levaram Caldas bêbado para casa. No domingo deu-lhe
depressão. À noite foi pior. Ao ver Josina abraçando e beijando a boca de um
jovem surfista, Caldas partiu para cima da mulher, puxou-a pelo braço,
arrastando-a para casa, nesse momento levou um soco do acompanhante. Mais tarde
levaram novamente bêbado para dormir. Durante o resto do carnaval ele procurou,
mas não conseguiu encontrar Josina. Ela desapareceu de casa com roupas e
pertences.
Caldas soube notícia da mulher
dias depois, quando ela já estava em Paris. Na quarta-feira de cinzas assim que
o banco abriu, Josina transferiu R$ 320.000,00 da conta conjunta para sua conta
particular, viajou para o Recife, de lá tomou um avião para Europa. Não sabe
quando volta, o detalhe, o jovem surfista está fazendo companhia em seus
passeios parisiense e em sua cama no hotel à beira do Sena.
Ao terminar de contar a trágica
história, estávamos na 10ª garrafa, passaram duas mulheres belíssimas de tanga,
Caldas não teve apetência sequer em olhá-las. Vingança de mulher é igualzinho à
fera ferida, nem o cão dá conta!
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