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segunda-feira, 9 de abril de 2018

CONTO QUASE ERÓTICO - Carlito Lima


O LEILÃO


O fato se deu há alguns anos quando a humanidade era ingênua, quando não se ousava pensar em tenebrosas transações, ainda não despertara a revolução sexual e mudanças de costumes. O mundo era dos coronéis de engenho.                         
Naquela época vivia em Atalaia, aprazível cidade do interior de Alagoas, uma moça bonita de nome Josefa, os homens quando a viam sentiam o desejo pulsar nas veias, na mente e na alma. Bela cafuza, exótica e exuberante, cabelos negros escorridos, rosto redondo, olhos pequenos, lábios carnudos e encarnados, Josefa era conhecida como Índia, filha de cortador de cana, pobre e analfabeta, os homens andavam atrás das saias da alegre morena sensual. Porém ela mantinha-se virgem.
                      Certo dia o pai morreu, cachaça, sua mãe havia fugido com um motorista de caminhão, arribou estrada afora, tornou-se prostituta estradeira, foi o maior desgosto do marido, ele entregou-se à cachaça. Josefa ficou só no mundo. Aconselhada por amigas foi tentar sobreviver na capital. Arranjou trabalho de empregada doméstica numa boa casa, logo foi desejada pelo patrão, pelos dois filhos e pelo avô, o bom velhinho quando olhou a Índia pensou que ainda era moço. Assediada e aperreada Iracema pediu as contas à patroa. Ao sair do emprego ficou perambulando pela Avenida da Paz, teve sorte, conheceu Cícero, um generoso homossexual, levou-a para sua casa, pediu a mãe para dar guarida até ela arranjar emprego. Na casa de Cícero não se podia pagar empregada. Josefa fez alguns trabalhos em troca da comida e dormida. Difícil uma analfabeta achar emprego. Certa vez uma vizinha aconselhou: “Menina você é muito bonita, os homens lhe desejam, vá ganhar dinheiro no cabaré.” “Eu sou virgem”, respondeu Josefa. “Sua virgindade vale ouro, muito coronel pagaria um dinheirão para tirar-lhe o cabaço”, a vizinha continuou a conversa.
                O Cão também conhecido como Demônio ou Belzebu ficou atentando o juízo de Josefa. Numa bela noite ela procurou a vizinha, pediu para levá-la à zona. Ao chegar à Boate São Jorge, bairro boêmio de Jaraguá, subiram a íngreme escada, Josefa empolgou-se com a beleza do salão. O dono do cabaré, conhecido como Mossoró, o rei da noite, examinou-a com um olhar, a amiga falou ao proxeneta: “Pai Velho, olhe o presente que trouxe para você, a bela Índia”. Aproximou-se, cochichou no ouvido do Negão: “É virgem”.
            Mossoró, conhecedor profundo das almas das mulheres da vida, interessou-se por Josefa, o fato de ser virgem, deixou-lhe empolgado. Havia quem desse mais de Cr$ 3.000,00 pelo cabaço daquela jovem. Mandou-a esperar, Josefa estava deslumbrada com a música do conjunto, a alegria da casa, os pares dançando no salão. Mossoró levou-a ao escritório, um quarto especial. Puxou do bolso uma nota de Cr$ 10,00 para vizinha e despachou-a, ficou com a Índia, era todo sorriso, simpático, passava confiança às moças. Fez algumas perguntas à Josefa. De repente pediu-lhe para tirar a roupa. A moça desabotoou os laços nos ombros, o vestido de chita caiu no chão, desabrochou a beleza nua da jovem, o sangue esquentou as veias do Pai Velho, conteve-se. Se não fosse virgem ele seria o primeiro, contudo, aquele cabaço valia ouro. Disse para Josefa, “Você vai passar alguns dias apenas aparecendo no salão, tome dinheiro, compre três vestidos na moda, toda noite fique bem bonita se mostrando de mesa em mesa, não vá para o quarto com nenhum homem, diga que é virgem, eu vou arranjar alguém especial para lhe tirar a virgindade, depois você fica trabalhando na boate.”.
    Toda noite Mossoró anunciava o leilão da Índia, dia 22 de março, com Show de Reinaldo, uma trupe divertida de travestis, e inauguração da luz negra no salão. Na noite marcada a Boate estava cheia; políticos, coronéis, usineiros, reservaram mesa. Foi uma das maiores festas na história do bairro boêmio de Jaraguá. O ganhador do leilão foi um rico fazendeiro, colecionador de cabaços, tinha um colar, cada conta, uma virgem. Pagou uma fortuna pela Índia. A festa tornou-se inesquecível, por muitos anos os marinhos, os boêmios, as mulheres, contavam a história do Leilão da Índia nos bares, nos cabarés do Cais do Porto de Jaraguá.



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