O DEZEMBRO QUE ME
HABITA
Dezembro, férias de verão, as festas natalinas faziam a alegria da
moçada. Praça Sinimbu, Praça da Faculdade ( Afrânio Jorge). Armavam-se roda
gigante, barquinhos, tiro ao alvo, um palco para folguedos natalinos rolando
por toda noite. As mocinhas desfilavam na calçada em torno da praça, os jovens de
blusa gola roulê, encostados nos carros paqueravam as meninas que vinham e que
passavam num doce balanço a caminho do nada. Um forte alto-falante anunciava produtos
patrocinadores e enviava recado a CR$ 2,00 (dois cruzeiros), num som gutural o locutor enfático: “Alô, alô,
Aninha Amorim, você é a garota que mais brilha nessa festa; assinado, você já
sabe!”. "Alô, alô menina do vestido de bolinha azul, estou lhe esperando
atrás da Igreja às nove horas."
Época
dos flertes, namoros bem comportados no portão de casa, festas de clubes ou
casas, descobrindo o prazer de dançar. Música suave, blues e jazz americanos e
de baião. Logo depois, arrebentou o rock. Ainda menino, aprendi os passos de
Elvis Presley.
Na
festa de rua, construía-se a Nau Catarineta, navio de barro (taipa) no centro
da praça, especialmente para dançar a Chegança, folguedo proveniente da
Península Ibérica, auto de tema marinho contando as dificuldades da vida
marítima, as tempestades, o contrabando, as brigas entre marujos e entre
cristãos e mouros. Alguns personagens marcantes: o Almirante, o Padre e o
Cozinheiro.
Manoel,
pintor de parede, todo ano fazia o papel do Almirante na Chegança. A partir do
dia 6 de dezembro até terminar a Festa de Rua na Praça Afrânio Jorge, dia de
Reis, 6 de janeiro, ele saía à rua fardado de Almirante de Chegança, só tirava
a farda para dormir e trabalhar, assim mesmo porque tinha receio de sujar com
tinta sua belíssima farda. À noite quem quisesse encontrá-lo era só aparecer no
Cabaré da Railda, estava Manoel, Almirante, fardado junto à rapariga Joaninha
Boca de Fole, seu xodó.
No
palco dos folguedos, toda noite havia a maior atração, o Pastoril, dança folclórica
natalina formada por duas colunas de pastoras, cordão azul e cordão encarnado.
As duas torcidas vibravam na platéia, maior competição. No final da Festa, era
declarado o cordão campeão quem vendesse mais votos.
As
pastoras, com fantasias singelas, saias bem rodadas, entravam cantando a
primeira jornada: “Boa noite, meus senhores todos... Boa noite, senhoras
também... Somos pastoras, pastorinhas belas... que alegremente vamos a
Belém...” Mestra, a primeira pastora do encarnado; contra-mestra, a do azul;
entre as duas, Diana, fantasiada de azul e encarnado: “Sou a Diana... Não tenho
partido... O meu partido são os dois cordões...”
Menino meio danadinho, na puberdade, nos intervalos entre as jornadas eu
chamava em cena uma pastora, alguma bonitinha, com os peitos mais acentuados.
Ela entrava dançando ao som da música. No palco, eu colocava a cédula com
alfinete, como quem prega uma medalha, descuidadamente, roçava o seio da
pastora com a palma da mão, ela corava. Eu gritava de emoção: “Viva o cordão
encarnado!”, descia feliz da vida, excitado, sentindo o seio em minha mão.
Existe
uma enorme diversidade de folguedos natalinos em Alagoas. O professor,
pesquisador Théo Brandão, catalogou 36 tipos de grupos folclóricos. Guerreiro,
Reisado, Boi, Coco de roda, Baiana, Taieira, Nega da Costa, Pagode, Fandango,
Maracatu, entre outros.
Por
tudo isso, dezembro me encanta, alguns acham o natal triste, ao contrário, meu
natal cada ano fica mais alegre. No mês de dezembro minha casa é decorada com
um tema folclórico, inclusive a árvore de natal. Esse ano, é do Reisado, auto popular, formado por grupos de brincantes
fantasiados, músicos, cantores que vão de porta em porta, anunciar a chegada do
Messias, homenagear os três Reis Magos e fazer louvação aos donos das casas
onde dançam, em troca de bebida e comida..
Tornou-se tradicional o café em minha casa
na manhã do 24 de dezembro oferecido aos parentes e alguns amigos. Início 7:00
h, término por volta das 14:00 h. Café nordestino com muita poesia, música,
depoimentos, orações, ano passado dançamos o pastoril, a alegria reina nos
abraços, beijos, gentilezas, sem troca de presente. Meu natal é o dezembro que
me habita.
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