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quinta-feira, 25 de junho de 2015

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

Ordener Cerqueira

          

Ordener foi meu ídolo, ouvindo suas histórias, me extasiava. Amigo da família, competente dentista, excelente professor, consultório na rua Boa Vista, ele costumava contar, quando eu era menino, meu pai, Coronel Mário Lima, levava um pelotão de soldados para o consultório, me seguravam, abriam minha boca à pulso, dessa maneira ele conseguiu tratar meus dentes.
              Ordener, jovem, estudou no Liceu Alagoano. Havia um professor acostumado a dar aula sentado, tinha mania de colocar a mão direita na primeira gaveta do bureau enquanto falava aos alunos, o preguiçoso professor passava a aula em conversa monocórdia provocando sono, nunca levantava, sentado, mão enfiada na gaveta.
               Certa tarde em seu quintal, apareceu um enorme caranguejo, azulado, brabo, uma pata maior que casco, Ordener amarrou o goiamum pelas patas, guardou-o. Na manhã seguinte embrulhou-o em fibras de bananeira, levou-o para o Liceu.
                No intervalo, antes da aula do preguiçoso, Ordener desembrulhou as fibras de bananeira,  soltou o caranguejo na primeira gaveta, fechou-a.
               O professor iniciou a aula sentado em sua confortável cadeira. A certa altura, devagar, abriu a primeira gaveta, enfiou a mão. De repente deu um enorme grito enquanto puxava a mão, a enorme pata do goiamum travada no dedo indicador. Gritava de dor, pedia socorro, enquanto a alunada vibrava às gargalhadas. Acudiram o professor, difícil tirar a pata travada no dedo, o professor aborrecido não deu mais aula, prometeu descobrir e expulsar o meliante que colocou o caranguejo na gaveta.
             Ordener inventou o irreverente do pastoril dos estudantes. Nas vésperas de Natal, vários estudantes dançavam o pastoril fantasiados de pastoras. Ele era vedete, a contra-mestra, a primeira pastora do cordão azul.
         Certa vez meteu-se a ator de teatro amador, numa peça sacra encenada na semana santa, Ordener fazia o papel de Cristo, o amigo, Luis Alves, fazia o papel de Lázaro. Depois de vários ensaios finalmente o dia da estréia, um sábado à noite no Teatro Deodoro.
           Perder um sábado era difícil, acompanhado de Luis beberam durante o dia no Bar Hélvética. Chegaram às sete da noite no Teatro com bafo de cachaça.  Luís estava bêbado. Não havia fala para o Lázaro; seu papel era ficar "morto" até quando Cristo (Ordener) mandasse ele levantar. Nesse momento, Lázaro (Luis) levantava-se, ressuscitando.
           A peça prosseguiu normal, finalmente a cena, Luis(Lázaro) deitado no chão, "morto",  Ordener (Jesus) falou alto, comandando seu milagre.
             “-Levantá-te Lázaro!”
             E Lázaro(Luis) continuou deitado, sequer mexia. Ordener(Jesus) para mostrar sua força divina, gritou mais alto.
          “ –Levantá-te Lázaro!”
Lázaro continuou sem se mover. A plateia apreensiva, Ordener apelou chutando as costas de Luís, gritou contundente:
          “- Levantá-te Lázaro!”
          “-Levantá-te Lázaro!”
   Até que perdeu a paciência, saiu naturalmente o impropério:
          “ -Levanta seu filho de uma rapariga!”
  A platéia ficou atônita, Ordener dirigiu-se ao público, pedindo desculpas.
“- O Lázaro está bêbado!”
    Gargalhada geral. Alagoas perdeu dois ótimos atores, foram expulsos do Grupo de Teatro Estudantil.
             Meu tio Napoleão, amigo de infância de Ordener, estava ha 20 anos sem vir a Maceió. No dia que chegou me pediu para ir ver o amigo. Chegamos no consultório por volta de 11 da manhã. Deixei Napoleão na sala, bati na porta. Ao me ver Ordener ficou feliz, perguntou o por quê da visita enquanto tratava os dentes de um moreno sentado, aliás, deitado na cadeira de boca aberta. Eu falei, surpresa. No mesmo instante, Ordener deixou o cidadão com a cara para cima, pendurou a broca, limpando as mãos, sorrindo, veio me perguntando qual a surpresa. Quando eu apontei para Napoleão sentado em uma cadeira, a alegria de Ordener escancarou-se ao reconhecer seu grande amigo de infância, se abraçaram chorando com todo o sentimento nordestino.
         Ordener convidou para tomar “uma” para comemorar o encontro, pediu desculpas ao paciente, terminou o serviço. Descemos ao Bar do Chope, emocionados brindamos algumas cervejas. De repente chegou a atendente, lembrando que o havia chegado o último cliente. Ele mandou recado, pedia desculpas, não atenderia mais naquele dia, terminamos altas horas no Bar das Ostras.
         Certa vez Aldemar Paiva levou o grande Capiba para almoçar na casa de Ordener, praia de Riacho Doce, passaram o dia conversando, se divertindo. Ao sair, Capiba confessou ao Aldemar, Ordener foi a pessoa mais espontânea e bem humorada que ele havia conhecido. Eu também Capiba.


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