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sábado, 6 de dezembro de 2014

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA

PESEI NA BALANÇA
Por: » RONALD MENDONÇA – médico e membro da AAL.

Dei-me 20 anos de prazo para fechar o meu ciclo vital. Afinal, trabalhar até os 88 anos não está tão ruim. O nosso Duílio Marsiglia está com 90 e vai ao Serviço diariamente. Mas ele é uma exceção. O Adib, que faleceu há alguns dias, trabalhou ativamente com mais de 80 anos.

De fato, um médico que se aposenta, um professor que deixa de ensinar em pleno vigor são perdas inestimáveis. Para a comunidade e para o próprio. Mutatis mutandis, seria como jogar livros, alimentos e remédios, em bom estado, no lixo. Imaginem o que um neurocirurgião de um certo nível vai fazer com a Escala de Coma de Glasgow, a Cascata Excitotóxica, a curva da Langfitt, as leis de Sherrington... Ninguém esquece os conhecimentos científicos do dia para a noite.

Não estou procurando emprego, principalmente de professor. A minha quota de chateações esgotou-se. Botei na balança e a docência não pesou... Já corrigi muitas provas e dei muita aula a quem não queria ouvir. Basta. Estou aposentado da Ufal. Cansei de reuniões estéreis. Priorizar o ensino da cidadania em detrimento de matérias específicas, estou fora.

Minhas saudades são pontuais. Eventuais mágoas já se dissiparam como os sólidos de Marx. Durante mais de 30 anos lecionei para duas turmas. Houve um momento em que os alunos eram subdivididas e as mesmas aulas eram repetidas três vezes por semestre. Durante 10 anos acumulei iguais obrigações na ECMAL. Resumindo: o conhecimento organizado das principais patologias do SN está praticamente intacto. Não digo que não é aproveitado porque continuo clinicando e operando bastante.

No Min. da Saúde completei o meu tempo. Há um estímulo de 800 reais para continuar. De vez em quando digo a alguém, incrédulo, que o meu salário no MS é de 800 pilas. Sim, tenho algumas regalias, mas, ainda assim, atendo cerca de 160 pessoas por mês.Tenho uma paciência imensa com meus pacientes, virtude que talvez tenha me faltado quando era mais jovem.

Enfim, convenci-me de que o meu tempo está acabando como médico. Não tenho mais tempo de corrigir, embora humanas, eventuais falhas. Por isso sou mais rigoroso comigo mesmo, na execução das tarefas. As cirurgias são mais minuciosas, as consultas mais prolongadas... No restante da vida continuei quase o mesmo. Apesar de incomensuravelmente mais triste e mais decepcionado.

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