PIU-PIU
Rua do Comércio - Maceió - anos 50
Na revista Seleções havia uma seção chamada, "Meu
Tipo Inesquecível", onde escritores contavam histórias sobre alguém que
lhe marcou profundamente como personalidade e tornou-se inesquecível. Minha
memória é recheada de pessoas com quem convivi ou simplesmente conheci e
tornaram-se inesquecíveis. Uma delas foi Piu-piu, um muriciense elegante,
constantemente trajando paletó arrumado, de fazer inveja a lordes ingleses.
Eu tinha
meus 10 anos de idade, meu pai levava a filharada para o centro da cidade no
fim da tarde, para tomar uma cerveja com amigos no Bar Colombo. A meninada se
fartava de sanduíche de fiambre com queijo do reino e um saboroso caldo de cana
moído na hora. Nas tardes, a Rua do Comércio se apinhava de gente.
Intelectuais, boêmios, políticos e figuras da cidade. Encontravam-se nos bares,
lojas e no Cinearte (depois São Luiz).
Uma dessas figuras marcantes foi um senhor elegante, forte e falastrão,
conhecido como Piu-piu. Impecavelmente vestido, todos os dias ele comparecia de
terno ou jaqueta com botões dourados, calças bem passadas. Uma bota preta de
cano longo completava a vestimenta. O charuto dava um ar de esnobe ao
comerciante. Piu-piu apesar de trajes tão distintos vivia de um pequeno
comércio: venda e compra de antiguidades, objeto de artes, ouro, prata e jóias.
Dava para sustentar sua pequena família e seu inigualável guarda-roupa. Piu-piu
além de se vestir bem, era impecável na arrumação pessoal. Cabelos bem
penteados com brilhantina Glostora, barba bem feita. O bigode denso de cabelos
crespos e ruivos era digno de um príncipe hindu ou de um kaiser alemão, grosso,
bem frisado, as pontas de curvas perfeitas faziam meia lua subindo como se
apontasse para o céu. Diziam que o bigode do Piu-piu era passado, frisado por
ferro de engomar.
Nosso
herói morava entre o Prado e Ponta Grossa, mas vivia no centro da cidade. Além das túnicas e ternos ele aparecia de
chapéu Panamá, as mãos reluzentes de anéis de todos os tipos, seus dedos eram
dourados e brilhantes. Na Rua do Comércio, impreterivelmente às 14 horas
desfilava sua elegância e pretensa arrogância, pois se dizia brigador, disposto
a qualquer luta. Andava armado com punhal e um revólver.
Seu
bigode era atração, ele tinha orgulho, uma verdadeira adoração na manutenção
daqueles dois tufos intocáveis. Ficou contrariado quando jovens, estudantes, colocaram
o apelido de Piu-piu, Bigode de Arame.
Muitas vezes correu atrás de estudantes que gritavam “Bigode de Arame”,
empunhando o punhal que levava constantemente na cintura, por baixo do paletó.
Um fato
marcante na vida de Piu-piu e na história de nossa cidade ficou comentado por
muitos anos nas rodas do Comércio. Fato brilhantemente contado pelo historiador
Félix de Lima Júnior no livro Maceió de Outrora.
Nos anos
30/40, Alagoas vivia um momento de intensa intriga política, o que nunca foi
novidade. Dois grupos políticos se digladiavam: O do Senador Fernandes Lima, de
quem Piu-piu era amigo pessoal, ligado e defensor; e o grupo do austero
governador Costa Rego, homem duro, apesar de seu amor e pendor às artes,
tratava os inimigos com repressões constantes.
Certa
tarde na Rua do Comércio o nosso valente Piu-piu disse não ter medo de ninguém,
nem mesmo do governador e destemperou impropérios, atacando o governador Costa
Rego em um discurso improvisado nos arredores do Bar Colombo.
Dois dias depois ele estava parado em frente
ao Relógio Oficial, quando 5 homens desceram do bonde vindo de Jaraguá. Dois
deles derrubaram Piu-piu, outros dois seguraram pelos braços e pernas, e o
último homem com uma tesoura foi cortando, arrancando o suntuoso bigode, fio
por fio, sem que o valente Piu-piu desse qualquer gemido. Não deu um piu. Os
amigos ficaram com medo daquela briga. 5 contra 1. A polícia só chegou quando o
serviço acabou. Arrancaram o bigode mais famoso do Estado. A região do lábio superior de Piu-piu ficou
deformada. Ele só voltou à Rua do Comércio muito tempo depois, quando conseguiu
regenerar seu bigode de arame. Tornou-se herói.
A rapaziada do Liceu Alagoano aproveitou o
fato para versejar e cantou seus versos no Comércio: “O navio apitou... A
canoa virou... O bigode do Piupiu... Marroquim arrancou”. Piu-piu,
Marcolino Ribeiro da Silva, morreu aos 98 anos em Maceió no dia 5/3/65.
Nenhum comentário:
Postar um comentário