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sexta-feira, 4 de julho de 2014

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA - Carlito Lima

                          Bezerrão

Rua do Comércio - Área de atuação do Bezerrão - anos 50
       
        Conheci Bezerrão ainda menino, tinha meus 10 anos, meu pai gostava de tomar cerveja com uma turma de escritores, artistas, intelectuais, boêmios, no Bar Colombo, centro de Maceió, nesse aprazível local conheci a figura impoluta, deu-me uma tabela da Copa do Mundo de 1950, guardei-a por muitos anos, lembrança feliz marcada na memória.      
          Bezerrão era investigador de Polícia, considerado “velha guarda” da corporação nos anos 50.
          Ninguém sabia seu primeiro nome. Todos o chamavam por Bezerrão. Morava no Prado, na Rua da União, nos fundos da Rede Ferroviária do Nordeste, antiga Great Western, quando ainda pertencia aos ingleses.
           Todos as tardes Bezerrão, vestido num terno de brim ou linho branco, paletó de quatro botões, ficava na Praça do Pirulito pedindo carona aos carros que passavam para o centro da cidade. Alguma alma caridosa levava nosso herói para  comparecer a seu “plantão” diário nas rodas de conversa fiada que se formavam no trecho entre o Bar Colombo, o Bilhar do Comércio, passando pelo Salão Elite (do Zezé) e a Assembléia Legislativa.
      Quem quisesse achar Bezerrão bastava ir às tardes na Rua do Comércio, infalivelmente estava lá nosso respeitado policial.
        Alto, forte, físico avantajado, mais de 1:90 metros, vozeirão assustador, conversar, bater papo era sua distração. Opinava sobre qualquer assunto, gostava de dar "pitacos", soltar “tiradas”, frases de efeito, algumas de sua autoria, impressionavam e divertiam a todos. No linguajar popular havia muita sabedoria em suas palavras.
       Ele costumava repetir um dito aprendido com um italiano proprietário de uma loja de calçados na Rua do Comércio. Quando se falava de mulher gaieira, traidora, Bezerrão soltava a frase misturando português e italiano:
       “Si tuto cornuto fosse lampioni, mamma mia, quanta iluminacioni” .
     Não tinha preconceitos ou acanhamento, metia-se em qualquer roda, dava opiniões sobre tudo. Querido de todos, principalmente dos boêmios, políticos e desocupados que instigavam-no a contar fanfarronices. O problema era desligar Bezerrão, quando começava não costumava parar de falar.
     Certa vez em passagem pela Assembléia Legislativa encontrou um grupo de deputados formado por Teotônio Vilela, Remi Maia, Luiz Coutinho, Elízio Maia, que pararam a conversa quando Bezerrão se aproximou. Teotônio com sua franqueza foi logo despachando:
- “Estamos conversando sobre política.”
   Bezerrão antes de ir embora, não se conteve, perguntou:
     - “É que passei uns dias numa fazenda e estou com uma dúvida e quero que os senhores deputados me tirem essa dúvida: Por quê a cabra que come capim quando faz cocô é aquela bolinha pequena, enquanto a vaca que também come capim o cocô é enorme e espalhafatoso?”
       Como os deputados ficaram calados, ele rematou.
-“Os senhores não entendem de merda, avaliem de política!”
        Saiu faceiro e gozador, ouvindo a gostosa e escancarada gargalhada de Teotônio, e o mutismo, a sisudez dos outros deputados.
       Como investigador era ídolo dos mais jovens, que não perdoava com trotes e gozações. Certa tarde deu corda num novato para desarmar um cidadão que tomava sossegadamente cerveja em uma mesa no Bar Colombo. Era um Capitão do Exército, conhecido na cidade como encrenqueiro e arruaceiro.
          Quando o jovem perguntou se o cidadão estava armado, o Capitão tirou uma 45 (arma exclusiva do Exército) dos quartos, colocou-a em cima da mesa,  perguntou, ameaçador:
-         “Estou armado !  E daí?”
         O jovem ficou embaraçado, tremendo, Bezerrão foi a socorro, falou para o Capitão, ele tinha sido o mentor daquela “brincadeira”. Os três juntos ficaram até tarde da noite bebendo por conta do militar, que apesar de ser chegado a uma confusão, era um tremendo boa praça.
             Na Rua do Comércio o pessoal adorava ouvir suas tiradas e iam ao delírio quando, por exemplo, um ex-freqüentador daquela rodinha do Bar Colombo, recentemente eleito vereador, passou ao longe sem parar, sem se chegar, como fazia sempre antes das eleições. Bezerrão filosofou gritando para o amigo:
          - “Fulano! Se tudo que subisse não caísse, o céu estava cheio de taboca de foguetes.”
           Grande Bezerrão, filósofo do povo, figura imortal, fez história nas ruas da cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, na Maceió de outrora.
       


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