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terça-feira, 27 de maio de 2014

UM TEXTO DE MAURÍCIO MELO JÚNIOR

CENAS DA VIDA E DAS MORTES

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Voltávamos de Arapiraca. Um velório. Não que a cidade fosse um cemitério, muito pelo contrário, fervilhava a paciente vidinha do agreste alagoano. Voltávamos sim de um velório de fato. Acabara de morrer o pai de um amigo que, por seus arroubos pessoais, tinha certa liderança política. E lá estivemos como amigos e como correligionários. Coisas da cena política da província.

Tínhamos terminado de assistir aos rituais próprios daquelas horas. Choros intermináveis, rezas a perder de vista, discursos à beira do túmulo. Agora era enfrentar uma viagem de pouco mais de uma hora até Maceió na esperança de chegar para uma cerveja de início de noite e um merecido descanso. Nada tínhamos o que falar durante o percurso, eu, o motorista e Eduardo Magalhães, um cientista político que vivera por muitos anos nos Estados Unidos. E foi ele quem salvou o assunto da viagem.

Principiou confessando que nunca se habituara aos rituais da morte praticados pelos americanos. E contou. Quando morre alguém por ali, o primeiro a ser notificado é o agente funerário, é dele o trabalho de cuidar do defunto, que deve ser embalsamado. Isso para esperar chegar os parentes que por ventura estejam longe e também se organizar a recepção de despedida. Coisa de uma semana depois, já com tudo pragmaticamente organizado, o velório acontece de fato. Coisa rápida. Geralmente em casa mesmo recebem o caixão, rezam e parte para o cemitério. Ali, depois de novas rezas e nenhum choro, enterram de fato o cidadão e voltam para casa, onde os espera uma festa para lembrar quem partiu e rever suas fotos, geralmente olhadas com ironia. E se come muito, e também se bebe. Depois que os convidados vão embora a família resolve o que fazer com os bens deixados pelo morto e está finda toda história.
H1H3
Lembro, ainda hoje, ao recordar essa história o mítico The End dos filmes americanos. A partir dali já nada mais havia, mesmo as lembranças deveriam ser apagadas para as emoções de uma nova película. 
Nesta segunda-feira, quando se comemorou o Memorial Day, saí às ruas na esperança de encontrar algum suspiro de tristeza pelas ruas, e nada me parecia um dia de glorificação. Tudo em perfeita normalidade, somente o bar onde parei não oferecia o cardápio convencional, afinal estávamos em um feriado. E um feriado de tradição, instituído logo depois da Guerra da Secessão para homenagear os mortos das batalhas. 

Estrangeiro num país beligerante pensei encontrar a cidade aos prantos, com desfiles militares e patrióticos. Nada. Tudo transcorria como no mais comum dos dias. As lojas abertas, o metrô seguindo feliz, os museus com suas exposições, as pessoas deitadas nos gramados ou bebendo nos bares. Soldados do exército e marinheiros trocando as pernas no final de um dia de folga. 

Hollywood me contou pela vida a fora que os Estados Unidos venceram todas as guerras que enfrentaram até mesmo a do Vietnã. O heroísmo é uma ordem na consciência de cada uma destas pessoas, afinal há sempre um inimigo a ser vencido e os poderes do Capitão América somente funcionam com o auxílio da força mortal dos soldados de verdade.

Os troques do cinema, cada vez mais intensos, são capazes de reforçar a crença na superioridade de um povo, mas diante do homem comum, sem emprego nem assistência social mendigando nas calçadas da Quinta Avenida e de Wall Street, fica difícil manter o orgulho.

Talvez por isso pouco gente se deu conta de que, com a chegada da noite, o Empire State Building se iluminou com as cores da bandeira. De fato um dia normal anunciava seu fim. The end.

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