Páginas

domingo, 23 de março de 2014

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA

O GIGANTE DORME, MAS NÃO É ESQUECIDO



Mestre Ib Gatto Falcão completaria cem anos neste 20 de março de 2014. A propósito do seu ano de nascimento, ele costumava dizer que havia vencido as duas Grandes Guerras. Por esse viés, seria um “sobrevivente”.

Em 1961, secretário do Governo, encontrava tempo para um périplo pelos 

colégios para discorrer sobre o câncer. Quero crer que ficava nas generalidades. Garoto de 13 anos, restou a imagem de que o símbolo do câncer é o caranguejo. O mestre deixaria bem claro que o animal não causava a doença. Espirituoso, arremataria: “Se tiverem em casa caranguejos cevados, podem mandar para mim. Não me mandem os magros...”.

Dotado de extraordinária criatividade, espírito inquieto, escrever sobre doutor Ib, chega a ser uma “covardia”. Formado na vetusta Faculdade de Medicina da Bahia, com 21 anos, foi um aluno excepcional. Uma das coisas que o movia a ser aquele aluno exemplar, era o extremado respeito pelo avô, o “velho Gatto”. Na sua cabeça, o seu pai de criação (ficou órfão antes de completar cinco anos e sua mãe foi para a casa do avô) jamais iria compreender uma nota baixa, uma reprovação.

Orador arrebatado, toda a Alagoas sabe que doutor Ib foi um dos mais perfeitos cirurgiões de sua época. De uma cultura médica invejável, usava o bisturi com igual habilidade, ora com a mão direita, ora com a esquerda. Primariamente canhoto, a ambidestreza teve sua origem na infância, quando fraturou o braço esquerdo e viu-se compelido a escrever com a mão direita...

Muito jovem, ensinou no Asilo das Órfãs, em Bebedouro. Lá, aprendeu francês com uma das freiras. Trocava eventual salário pelas aulas... O espaço é pequeno para discorrer sobre aquele momento. É que, naqueles passados dias, as alunas do Asilo concluíam seus estudos e não tinham qualificação oficial. Aprendiam História, Geografia, Português, Francês... Mas, também, a costurar, a bordar, a cozinhar, a lavar chão... Enfim, cultas e versáteis, eram perfeitas para trabalhar em alguma cozinha e tornarem-se alvos da concupiscência de patrões inescrupulosos.

Minha mãe, d. Rosinha, e centenas de jovens nunca esqueceram do empenho do doutor Ib em dar dignidade àquelas órfãs. O mestre, numa demonstração de apreço da turma, foi o paraninfo dessa primeira leva de professoras diplomadas pelo Asilo. Dona Rosinha foi a oradora da turma.

Obrigado, Mestre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário