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domingo, 9 de março de 2014

CRÔNICA DA PALOMA AMADO

Crônica de domingo, 9 de março de 2014: Viagem a Paulo Afonso

Centenário de Caymmi, crônica III

Fizemos uma viagem adorável com Caymmi pelo São Francisco. Foi em 1967, quando o editor Alfred Knopf veio ao Brasil em lua de mel. No roteiro do casal, uns dias na Bahia para apresentar a cidade a Helen, buscar Jorge e Caymmi, velhos amigos, para juntos conhecerem a Cachoeira de Paulo Afonso.
-- Norminha, tem lugar no carro, vai ser uma delícia. Vão Caymmi e Paloma também.
Era mamãe convidando Norma Sampaio para integrar a caravana. Baiano adora andar em grupo, já dizia Calasans Neto!
Antes da partida, um almoço reuniu meia Salvador para festejar o editor americano que já passeara e fotografara a cidade toda. Vendo as fotos tiradas por mamãe que ilustram esta crônica, me dou conta do quanto a Bahia mudou nestes quarenta e seis anos... Quarenta e seis!, afemaria! Como o Pelourinho estava destruído... Aquele casarão caindo aos pedaços é a atual Fundação Casa de Jorge Amado, quem diria?
Rumamos para a cidade de Delmiro Gouveia, nas Alagoas, de carro -- uma veraneio em que cabia nós cinco e mais o motorista com folga. Os Knopf foram de avião comercial até Recife e de lá, de teco-teco, seguiram para nos encontrar no Sertão.
-- Caymmi, nosso Knopf é um louco em se meter em tanto aviãozinho! Podendo ir confortavelmente de carro... Disse que está muito velho para longos caminhos em estrada brasileira..., dizia papai, que tinha medo pânico de avião, e gostava de provocar mamãe, que nasceu para voar.
-- Confortavelmente? E esse calor medonho? Isso que nós ainda não saímos da estrada de asfalto para a de terra..., ela se metia na conversa, pegando corda.
Ao passar pela entrada de Santo Amaro, uma placa na beira da estrada anunciava caldo de cana. Caymmi se animou.
-- O calor está grande mesmo, um caldinho de cana ia bem...
Não houve tempo de parar e não pareceu mais caldo de cana nem na ida e nem na volta. "E o meu caldo de cana?", repetido muitas vezes durante a viagem, virou código nosso ao longo da vida.
Em tempos de carro sem ar condicionado, calor com poeira rimam com janela aberta e Caymmi louro! Ele fazia uns olhares divertidos e dizia:
-- Estou loirinho! Haja poeira!, e ria.
Os dias de Paulo Afonso foram maravilhosos, muitas coisas novas para todos, emoções inacreditáveis, como o vôo de teco-teco que fizemos, Knopf e eu (os demais declinaram do convite, mesmo dona Zélia, a destemida amiga das alturas). Disseram ao piloto que o americano queria ver a Cachoeira de pertinho e o rapaz levou ao pé da letra. A cada razante tínhamos a sensação de que a água ia pegar a asa do avião e nos levar Paulo Afonso abaixo. Enquanto eu morria de rir, pois com quinze anos a gente é inteiramente inconsequente, o pobre do velhinho ficava verde e parecia morrer de fato. Salvamo-nos todos a tempo de ver uma cerimônia religiosa da população local, creio que um sincretismo de pajelança e macumba, onde as pessoas se flagelavam com urtigas, coisa esquisita, ruim de se olhar. Felizmente foi rápido, a função terminou e o "pajé" foi se chegando aos homens:
-- Messê quequê fudelequê?
Perguntou para Knopf, que não entendeu nada. Depois foi para Caymmi.
-- Messê quequê fudelequê?
Então Caymmi se virou para papai, e com cara divertida disse:
-- Compadre, esse cara é pajé de araque. O que ele é mesmo é cafetão e tá querendo arranjar mulher pra gente. Vamos dando o fora antes que a comadre Zélia perca a paciência. Não é mesmo, comadre?
Nos despedimos do casal Knopf em Paulo Afonso, voltavam para New York via Rio. Na estrada de volta para casa, entre um pedido e outro de caldo de cana, o loiro Caymmi, comentava:
-- E seu Quequê, heim?
Bom domingo a todos. O meu será ótimo, festejando os 10 anos de meu neto Nicolau. Viva ele!

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