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domingo, 23 de fevereiro de 2014

O parreiral da casa de Água Branca e o suco de uva da Maternidade de Penedo... Maria Stela Torres Barros Lameiras





Quem vier a ler ao menos o título deste texto deve se interrogar por quais caminhos eu devo passar para unir duas coisas aparentemente sem nenhum paralelismo de sentidos...
Mas é assim que os pensamentos nos vêm: de forma desordenada, porém com um fio tênue e firme ao mesmo tempo, e que só a lembrança seria capaz de não deixar partir-se. Começo falando da casa de Água Branca, de Béi, Dita e Maria, todas, ecada uma à sua maneira, acolhendo-nos com grande afeto. Havia, no entanto, as regras da boa convivência: não mexer nos saquinhos de tecido que protegiam as uvas espalhadas no parreiral da escada que dava para o quintal da casa. Nem podíamos também experimentar o doce cheiroso e saboroso que estava sendo preparado para nós: as regras pareciam duras mas os rostos transpareciam ternura. Obedecíamos (quase sempre...). E havia ainda, entre outras regras, a do bom comportamento durante as refeições... No entanto, isso nem sempre acontecia, diante das brincadeiras entre primos, alguns mais engraçados, levando-nos ao riso, enquanto eles permaneciam sérios, dando a impressão de que a algazarra era nossa.
Volta o parreiral à minha mente, a meu coração; e com ele, os acontecimentos e as pessoas queridas que nos faziam amar nossas férias em Água Branca. Era bonito olhar para as escadas em uma ordem contrária (geralmente, assim era em Penedo, descíamos para ir ao quintal; mas em Água Branca, subíamos as escadas com água na boca, com vontade de fazer o que aos passarinhos era impossível, diante dos cachos de uva “empacotados” em sacos de tecido... Havia o reencontro entre tios e primos, a subida ao engenho, a ida ao Xupete, a estrada do São Bento, o carro de boi, a casa do Barão... com um ar de mistério nos espaços, nos móveis, e até mesmo nas pessoas queridas que viviam ali. Enfim, havia um mundo que não cabe no papel, mas que o coração dá um jeito de “armazenar”.
Volto a Penedo, onde por 6 anos consecutivos subíamos a Avenida Getúlio Vargas, a caminho da Maternidade da Santa Casa de Misericórdia... Ali, após as 5 primeiras filhas sertanejas, vieram os 6 penedenses: o primeiro menino da família;  depois, mais duas meninas, mais um menino e, por fim, uma menina para fechar o time... Esse percurso se repetia na paisagem e nas palavras: ouvíamos as senhorasà porta de casa ou à janela, que nos perguntavam: menino ou menina? E ainda crianças, respondíamos com entusiasmo e seguíamos paraficar pertinho de nossa mãe na maternidade, cercada pelos cuidados de papai, e arrodeada de sua família em ordem crescente...
E é aí que eu volto às uvas... quando eu me lembro da hora em que a enfermeira repetia, todos os anos, o lanche da  tarde de mamãe: suco de uva e biscoitos Maria... Sempre queríamos experimentar o gosto, já tão conhecido, mas a cada ano com um novo sabor, acompanhando a boa nova. O suco não era das uvas do parreiral da casa de Água Branca, mas a felicidade tinha a mesma cor e, talvez, um sabor parecido.

Então eu me pergunto: teria cor a felicidade? E sabor?  Por que eu coloco em um mesmo texto o parreiral e o suco de uva? Nem eu mesma entendo; o que eu sei é que tanto o parreiral quanto o suco de uva da maternidade, ambos pincelaram a felicidade que sinto até hoje ao reviver esses momentos.

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