Foi surpresa, de repente publicaram
no Noticiário do Exército minha transferência do Recife para a Amazônia só
porque eu namorava a filha de um preso político, não teve jeito, embarquei para
meu novo destino. Depois de sobrevoar a imensidão da Floresta apareceu um campo
imenso plano, ao longe morros e serrotes, um planalto com vegetação rasteira, o
avião sobrevoou Boa Vista, capital do território de Roraima aonde eu ficaria
dois anos de minha vida, era tenente do Exército Brasileiro com muito orgulho.
No outro dia assumi o comando da 9ª Companhia de Fronteira, responsabilidade de
fiscalizar e manter os marcos fronteiros com a Venezuela e a Guiana Inglesa. Naquela
região senti, aprendi a ver o Brasil
real, me dignificou essa experiência de vida com a chama do nacionalismo acesa
e o respeito dos vizinhos sul americanos.
Com o passar do tempo fui me adaptando à
maneira de viver do povo e dos militares. A estrada Manaus - Boa Vista era
trafegável apenas dois meses durante o ano, os mantimentos, nossa comida,
bebida, vestuário vinha de avião do Brasil, transporte caro, ou da Guiana
Inglesa. Depois de certo tempo me acostumei com o mercado irregular abastecendo
a cidade de Boa Vista, chamado de contrabando de sobrevivência.
Ao assumir o comando, um sargento trouxe-me
um problema grave, aliás, muito grave. O comandante anterior preparou uma tropa
de 10 homens para treinar guerrilha na selva, foi para Tepekén, região serrana,
em vez de treinar os soldados na guerrilha passaram 15 dias na região
garimpando diamante. Ao retornar ao quartel o segredo foi descoberto, o
comandante foi à Manaus explicou ao general, só nas horas vagas havia
garimpado, levou um frasco de diamantes para o comando em Manaus, esse
imediatamente não quis se envolver, nem ver, mandou jogar fora, dá um fim aos
diamantes, não queria saber daquela história. O comandante retornou a Boa Vista.
Na frente da equipe colocou o frasco de diamantes no cofre da 9ª Companhia de
Fronteiras, em seguida viajou para o Rio de Janeiro para onde foi transferido.
Ao saber da história, abri o cofre,
estava um frasco de vidro branco de uns 15 centímetros de altura cheio de
pedras, desatarraxei a tampa, coloquei algumas pedras na mão, pensava não ter
muito valor, pareciam pedaços de vidros quebrados. Ao viajar à Manaus para resolver problemas da
Companhia, falei com o general sobre as pedras, ele se irritou perguntando
porque ainda estavam lá, aquilo era fruto de uma irresponsabilidade do
ex-comandante, eu desse fim aquelas pedras.
Era início de dezembro de 1965, ao chegar
em Boa Vista, num jipe velho fui ao encontro da namorada, Kalu, morena bonita,
descendente de índio, trabalhava viajando à Georgetown, trazia corte de
casimira inglesa, perfume, resumindo vivia do "contrabando da
sobrevivência". Eu pedi, ela me levou a um comerciante de apelido
"Pisa-Miúdo", ele comprava diamantes
brutos de garimpeiros e vendia no mercado de Manaus. Solicitei que
fizesse uma avaliação do conteúdo do frasco, fiquei surpreso com o valor. Fiz
uma proposta, trocar todos os diamantes por brinquedos, ele pensou, conversou
com a mulher, fechamos o negócio.
Na véspera de Natal fiz uma festa no
quartel, convoquei todos os filhos dos militares e todas as crianças pobres da
redondeza. À tarde foram entrando no quartel, 300 crianças no campo de futebol.
De repente apareceu um caminhão abarrotado de pacotes dirigido pelo Pisa-Miúdo,
parou no meio do campo, a meninada em fila organizada recebia os brinquedos
pelas mãos do Cabo Perna vestido de Papai Noel, foram 300 brinquedos italianos
da melhor qualidade, bonecas, carros, todos à pilha, naquela época nenhum pai daquelas crianças tinha
possibilidade de comprar, era o mais chique de brinquedos italianos. Nunca vi
tantas crianças felizes, brincando. À noite nos reunimos, militares e família,
jantar de Natal, tomamos um belo porre de uísque de 18 anos, presente do
Pisa-Miúdo, comemorando aquele Natal inesquecível, tornou-se lenda na 9ª Cia de
Fronteiras.
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