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terça-feira, 22 de outubro de 2013

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA - Carlito Lima

A PIRANHA MOSCOVITA

     Igor pertenceu à juventude rebelde, o pai criou seis filhos batendo sola, o sapateiro dizia-se stalinista, incentivou os filhos à luta pelo socialismo. Igor estudou em colégio estadual, excelente, como eram na época, não teve dificuldade em passar no vestibular de odontologia, tornou-se líder universitário, presidente de diretório. Convocado por partido de esquerda na clandestinidade, Igor foi ótimo tarefeiro, panfletário. Dizia-se marxista-leninista, pregava a revolução socialista nos botequins da cidade, cantava a IV Internacional, era soldado da revolução bolchevista que mais cedo ou mais tarde aconteceria no mundo.
        Ao se formar fez sociedade com dois colegas, adquiriram um consultório de dentista, início de carreira, os colegas progrediram, Igor teve grande frustração ao perceber que odontologia não era sua profissão ideal, precisava mãos firmes para tratar dentes alheios, ele não conseguia, suas mãos eram trêmulas, principalmente nas segundas-feiras quando a ressaca o deixava com delírius-tremus pelo excesso de álcool e fumo.
         Tempos depois um amigo, eleito deputado, convida-o para assessor, ele ajudou na campanha arrancando dentes dos pobres na periferia. Logo Igor entrou na promissora profissão de atravessador entre empreiteiras e o amigo deputado. No final do segundo mandato estava rico, um belo apartamento, casa de praia, bons carros, casou-se com a irmã do deputado, conhece todos os corredores e tapetes dos ministérios e os mistérios de Brasília. Só não quer ouvir falar em socialismo e odontologia.
        Quando toma um bom porre ele tem recaída, faz apologia à extinta União Soviética, nem lembra, pelo estado etílico, que o muro de Berlim caiu em 1989. Seu sonho delirante de bêbado é fundar uma república socialista, entretanto, sóbrio, chama o MST de baderneiros, aproveitadores, e Fidel Castro um enganador cubano.                  
       Ano passado houve uma excursão à Europa Oriental programada por uma agência de turismo, sua mulher não pôde ir, Igor não tinha como recusar o presente da viagem, pacote pago por uma empreiteira.
       Iniciaram a viagem por Moscou, chegaram tarde na capital russa, o guia aconselhou a descansar, no outro dia haveria uma jornada prolongada, um city-tour na cidade. Igor, o único “solteiro” da excursão ficou bebericando saborosa vodka no bar do hotel com amigos, conversando maravilhado em conhecer aquela terra, onde não havia pedintes na rua, nem prostitutas nas esquinas, o papo se prolongou, os amigos resolveram dormir. Ao se dirigir ao elevador Igor percebeu o sorriso e o olhar de uma bela loura sentada no saguão. Deixou os amigos subirem, fingiu dirigir-se ao banheiro, a russa loura amavelmente abriu-se em sorriso. Ao retornar achegou-se à bela mulher, tentou conversar, ela pouco falava inglês, entretanto, era exímia na língua universal da raparigagem. Logo Igor estava com Tamara Kamorova no apartamento. A russa sabia tudo, uma mestra, quase mata de amor nosso querido socialista, que entornando vodka relembrou a IV Internacional. No final de uma bela e inesperada noite de amor, em nome da revolução mundial, ele presenteou-a três notas de 100 dólares. Tamara Kamorova ficou radiante, saiu de leve do apartamento, deixou Igor roncando.
        Dia seguinte às 8 da manhã o telefone o acordou, rapidamente desceu ao café. Ao se dirigir com os casais amigos ao ônibus, um empregado do hotel falou discretamente, algumas moças queriam falar com Igor. Eram três russas de mini-saia no saguão, ao perceberem o turista, avançaram falando ao mesmo tempo, mistura de inglês e russo: “Mister Igor, Mister Igor, I folk 100 dólares, I folk 50 dólares.” Uma pequena balbúrdia no hotel, Igor entendeu, a piranha moscovita falou dos 300 dólares para as colegas, uma fortuna para o michê russo, as raparigas estavam se oferecendo, queriam também ganhar os bons dólares.
           Nosso amigo conseguiu se desvencilhar das piranhas russas, entretanto, não se desvencilhou da curiosidade dos amigos e esposas, o pequeno tumulto foi esclarecido, aos ouvidos, durante o percurso. Djanira, colega desde a faculdade não conteve o irônico comentário: “Grande Igor! Eu sabia que você era socialista, mas, jamais imaginaria que era tão popular na Rússia com a mulherada moscovita”. Igor sorriu discreto, sem graça, os amigos às gargalhadas, enquanto o ônibus prosseguia em marcha lenta mostrando pelas janelas as fascinantes ruas da bela Moscou.


           

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