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segunda-feira, 1 de abril de 2013

UM TEXTO DE CARLITO LIMA - O VELHO CAPITA


             1º ABRIL DE 1964
   ( Extraído do livro CONFISSÕES DE UM CAPITÃO)

            

O som cadenciado e harmonioso do toque de alvorada pelo corneteiro acordou-me naquela luminosa manhã. Eu era tenente do Exército Brasileiro servia na 2ª Companhia de Guardas, tropa de elite do IV Exército sediada no centro da cidade histórica do Recife. Tropa altamente treinada contra guerrilha urbana, a Companhia de Guardas estava de prontidão há mais de uma semana, devido aos acontecimentos políticos da época. O presidente João Goulart acendia uma vela a Deus outra ao Diabo. Um processo de desgaste político se espalhou sobre a Nação. Um suposto dispositivo militar apoiava o presidente, inclusive o General Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército, jurou de pés juntos que defenderia a legalidade, quando a conjuntura mudou, ele mudou de lado. A situação ficou mais nebulosa depois do grande comício das reformas em frente ao Ministério do Exército, dia 13 de março, muitos discursos provocativos. O pingo d’água que faltava para o copo transbordar. Jango estava cutucando a onça com vara curta. 
Naquela bela manhã de 1º de abril logo depois da formatura matinal, o capitão Luís Henrique Maia reuniu os cinco tenentes comandantes de pelotão, fez uma preleção. Havia notícias confirmadas, a tropa do general Mourão Filho de Minas Gerais estava a caminho do Rio de Janeiro para levantar o I Exército, e depor o presidente João Goulart. O objetivo era restabelecer a ordem no país, garantir a democracia, a eleição para presidente em 1965. Mandou preparar cada pelotão para o enfrentamento, entrar em combate urbano a qualquer momento.
Dirigi-me ao alojamento de meu pelotão, pensamentos mil, sabia que haveria uma confrontação naquelas próximas horas. Ainda estava em divagações quando o comandante me chamou e deu as primeiras ordens: Dissolver uma manifestação no Sindicado dos Bancários, perto do quartel. Coloquei o pelotão em forma, passei em revista o armamento e equipamento, falei para os soldados sobre a missão, deixei bem esclarecido, tiro só com minha ordem. Formação em cunha o pelotão tomou a rua em marcha. A batida uníssona do coturno no calçamento fazia um barulho assustador. Enquanto aqueles 44 soldados bem armados e equipados avançavam, eu vi mães colocando meninos para dentro das casas, ouvi algumas vaias, como também algumas palmas, o povo dividido. Avançava, continha a emoção, pensava na informação que me passaram: os sindicalistas, os camponeses, os homens de Arraes, tinham sido treinados em guerrilha e possuíam armamento de primeira linha. Assim que avistamos ao longe a multidão em torno de 400 pessoas, tive que controlar um sargento, meu auxiliar, pedia para dar um tiro a fim de dispersar a multidão. Mandei o sargento calar a boca, o comando era exclusivo meu, evitava que houvesse reação por parte dos manifestantes e terminar numa carnificina de balas dos dois lados. Tentaria um diálogo, se possível. O pelotão se aproximou, dava para ver as fisionomias dos manifestantes, o sargento insistindo, me pedindo para atirar. Gritei não!

      De repente tive a maior alegria e maior alívio de minha vida ao perceber a multidão se dispersando em todas as direções. Invadimos o sindicato a “manus militaris”, ficaram três manifestantes, pedi para eles saírem ou teria de levá-los presos. Um barbudo, magro, me encarou: “Só saio morto ou preso”. Dei a ordem “Então esteja preso, não vou lhe matar”. Mandei lacrar os móveis, deixei cinco soldados guarnecendo o sindicato, retornei com o resto do pelotão para Avenida Visconde de Suassuna, sede da Cia de Guardas. Durante o percurso, o pelotão marchava em duas colunas, o barbudo, sindicalista, preso, caminhava no meio. Encostei-me e cochichei no seu ouvido: “Estão matando tudo que é comunista, quando você chegar ao quartel vai ser fuzilado. Vou lhe dar uma chance, na próxima esquina lhe empurro e você se manda”! Ele encarou-me com olhar suplicante. Puxei-o pelo braço e empurrei, ele correu, se escafedeu na primeira rua. No quartel fiz um relatório verbal. Ainda no 1º do abril, meu pelotão tomou a sede dos Correios, patrulhou a cidade do Recife. À noite, cansado, dormi feito um menino, mal sabia, aquele era o primeiro dia de uma ditadura.

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