AMOR NO TEMPO DO VELHO CHICO
Penedo, cidade, pedra. Penedo, rocha, rochedo. Penedo das ruas estreitas,
casarões nutridos de história. Penedo, Rio São Francisco, cenário magnífico de
viver uma paixão. Penedo testemunha de histórias de amor escondidas em seus
casarões barrocos. Penedo, história da paixão inesquecível, Frederico e Juliana.
O tempo não existe em Penedo.
Meio século, 50 anos separam daquele
Penedo antigo, belos casarões abrigando famílias tradicionais, o fino da
aristocracia alagoana. Juliana nasceu em berço dourado, ainda menina chamava
atenção pela beleza, bom humor e inteligência. Estudava piano, aulas
particulares, tornou-se uma das maiores pianistas da redondeza, ao tocar, o mundo
se enchia de graça. Certa vez o grande teatrólogo Paschoal Carlos Magno ouviu
Juliana executando as Bachianas de Villa Lobos, implorou, conseguiria bolsa de
estudo no conservatório de música na capital do país, o Rio de Janeiro. O pai
negou, Juliana não importou, adorava sua terra, Penedo.
Quis o destino, aos 16 anos conheceu
Frederico, jovem, 18 anos, em clima carnavalesco, comemoração do Brasil campeão
mundial de futebol, atração simultânea. Fred, embora moço, também de família
tradicional, já era um dos grandes boêmios da cidade, frequentador assíduo da
zona do Camartelo, gostava do chamego de quengas, certa vez foi preso por
arruaça no baixo meretrício. Andava pelos botequins, na boemia. Tinha a seu
favor a simpatia e uma eloquência encantadora, inteligente, bom aluno planejava
fazer vestibular na Faculdade de Direito em Maceió. Assim como
os antagônicos se atraem, Juliana ficou atraída, encantada com o envolvente
rapaz. Os pais consentiram o namoro com muitas restrições. Formavam um belo
casal, viviam uma paixão de jovens românticos em passeios às margens do Velho
Chico apreciando o pôr-do-sol.
Frederico fazia força para ficar em
casa sossegado, mas não resistia, caía na gandaia. Na zona do Camartelo era
conhecido por todas as raparigas. Certa vez virou a noite, o dia amanhecia
quando eles e os amigos bêbados fizeram uma serenata no casarão da família de
Juliana. O pai pediu que ela acabasse o namoro, houve pressão. Ela deu mais uma
chance para o namorado.
Início de fevereiro o pai de Frederico
faleceu, enterro comovente. Quinze dias depois, carnaval, Juliana como não
podia brincar devido ao falecimento do sogro, passou o carnaval na fazenda em Piranhas. Quando
voltou na quarta-feira de cinzas soube do ocorrido com o namorado, Frederico
não aguentou os acordes metálicos do frevo, caiu no passo os três dias de
carnaval na rua e no clube, escandalizando a sociedade conservadora. Juliana escreveu
uma carta acabando definitivamente o namoro. Frederico no outro ano foi estudar
Direito na capital.
O tempo é inexorável, nesses últimos
50 anos cada qual tomou seu destino. Juliana continuou virtuosa pianista,
quando enviuvou teve o consolo de seus 4 filhos e 8 netos. Frederico fez seu
destino, tornou-se um grande advogado, hoje viúvo com 5 filhos e 13 netos, ainda
trabalha muito.
Ano passado Frederico foi a Penedo com
um amigo carioca. À noite, visitavam a Fundação Casa do Penedo, museu vivo onde
se respira história e cultura, invenção do Dr. Francisco Salles, penedense
sonhador, amante da terra. De repente Frederico ouviu uma música suave, um
piano ao longe, lhe informaram, era festa de aniversário de uma senhora muita
querida, Dona Juliana. O coração de Frederico voltou a bater como um jovem, pediu
licença aos amigos, caminhou em direção à música que envolvia a noite de brisa
fresca. Reconheceu o casarão onde um dia cantou em serenata depois de sair da
zona. Entrou sem cerimônia, cumprimentou os presentes, seu coração encheu-se de
ternura ao ver Juliana ao piano embevecida com a música. Inexplicavelmente
naquele momento Juliana olhou ao lado, seus olhos cruzaram com os de Frederico,
reconheceu o amor de sua juventude. Um sentimento forte tomou conta, a alegria
invadiu sua alma; inspirada, tocou como nunca havia tocado. Ao terminar a
audição, os presentes aplaudiam o belo concerto. Numa onda de felicidade,
sorrindo foi cumprimentar o amigo, seu primeiro namorado.
Não pararam de se ver, Frederico mudou-se
para Penedo curtindo o amor, amor maduro, amor incubado, amor cinquentenário. A
resistência dos filhos foi vencida. Casaram-se na Igreja com todas as famílias
unidas, filhos e netos aplaudiram a troca das alianças. O casal de idosos é
visto toda tarde passeando a beira do Rio, contando histórias, recordando o
amor no tempo do Velho Chico.
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