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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA


LOUCURA SOCIALIZADA

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Em imperdível entrevista para a revista Veja da semana passada, o poeta Ferreira Gullar
resumiu seus pontos de vista com invejável objetividade. Ex-militante moderado da esquerda
e carregando a cruz de dois filhos esquizofrênicos, um deles já falecido, certamente, os
patrulhadores de plantão vão esculhambar o pobre velho. Falando sobre os hospitais
psiquiátricos, resume sua revolta ao conceito de que "pais de doentes mentais internam seus
filhos para deles livrarem-se", conclui: "... esse pessoal pretende amar meus filhos mais do
que eu ..."

O grande vate referia-se à ideia de acabar com os hospitais psiquiátricos. Politicamente
orientado pelo PT, um projeto conhecido por "Lei Delgado" seria, no início deste século,
praticamente aprovado por unanimidade. Ai daquele que ousasse discordar. Clima de
felicidade se espalharia entre psicólogos, progressistas, pacientes e familiares que não
aceitavam sua condição de psicóticos.

A sexóloga Marta Suplicy tinha espasmos de satisfação. Mais uma Bastilha havia sido demolida
pela força do povo. Era a vitória do proletariado sobre essa asquerosa elite de exploradores -
os donos de hospitais. Médico, ocupando posto no CFM, sem qualquer conhecimento, jurava
que os hospitais psiquiátricos eram servis à ditadura. Garantia haver tortura. O eletrochoque
era sinônimo de pau de arara. Não havia negar: os hospitais psiquiátricos eram réplicas
pioradas dos temíveis gulags soviéticos.

O rolo compressor dos progressistas ignorou a posição dos professores de psiquiatria. Àquela
altura, as mágoas de um psicopatão de Curitiba, alçado símbolo da iconoclastia psiquiátrica,
tinham mais peso que os argumentos dos mais renomados cientistas.

O fato é os hospitais privados, para os doentes do SUS, estão funcionando de teimosos.
Salvo aqueles do Estado, que não pagam impostos, não têm compromissos nem com a folha
de pagamentos, tampouco com alimentos e remédios. O valor da diária é humilhante. De
honorários médicos acachapantes

Poucos ainda falam em fechar hospital psiquiátrico. Conforma-se o Ministério da Saúde
em asfixiá-lo com um pagamento vil. Enquanto isso, aumenta a demanda de pacientes com
planos de saúde. Uma curiosidade a registrar: por ironia do destino, parentes de ilustres
antimanicominialistas - quando não eles próprios - têm apelado para os humildes préstimos
dos antigos torturadores.

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