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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

UM TEXTO DE OVÍDIO POLI JÚNIOR


Com arte e manha, FLIMAR transforma Marechal Deodoro 

           
“Uma garça solitária observa o horizonte à beira da Lagoa Manguaba, ao lado de um barco artesanal de pesca. Essa garça não tem pressa, caminha a passos lentos e deixa marcas no chão ao mariscar. Assim é a FLIMAR: serena, poética, inesquecível.
Um observador cartesiano que participasse da FLIMAR veria apenas mais uma das muitas festas literárias que surgiram no Brasil no saudável rastro deixado pela FLIP. Mas o que se passa em Marechal Deodoro desde que Carlito Lima assumiu a secretaria de cultura é algo verdadeiramente revolucionário: com apoio do prefeito Cristiano Matheus, o escritor alagoano, incansável, realiza um evento que já deixou marcas profundas nos corações e mentes da cidade.
A FLIMAR, a bem da verdade, não se limita a um evento: é desde o início um acontecimento político, cultural e social. No texto que escrevi no ano passado, afirmei que quando a literatura toma as ruas amplia-se o campo do possível. Ao voltar este ano a Marechal Deodoro, vejo que a literatura pode fazer parte de um amplo projeto de transformação social.
Prova disso é a modificação urbanística da orla lagunar e a ocupação desse espaço público pela população local. No ano passado, depois das seis da tarde, Marechal Deodoro parecia uma cidade-fantasma saída de um conto de Gabriel García Márquez. Este ano, a orla foi ocupada pelas tendas da Flimarzinha. Hoje, além dos quiosques, tem-se às margens da Lagoa Manguaba quadras de esporte e o livre acesso à internet.
Como disse o escritor Homero Fonseca, o significado de uma festa literária vai muito além da mera “espetacularização” de que falam alguns críticos. Uma festa literária aproxima as pessoas e exercita a arte do encontro. Mais que isso, é um dos poucos instrumentos, além da própria leitura, que permitem fortalecer o reconhecimento social do escritor. No Brasil, até bem pouco tempo, os escritores eram para muitas pessoas seres distantes, inatingíveis, espécie de monges abnegados que em suas casas lutavam com os rascunhos. Ver Ignácio de Loyola Brandão rodeado de crianças na saída do auditório é cena que não se apaga da memória (e para algumas crianças de Marechal Deodoro essa foi a primeira vez que travaram contato com um escritor).
A coisa é mesmo espetacular e não há nenhum problema nisso, desde que o espetáculo não seja um fim em si mesmo. A festa alagoana tem como objetivo democratizar o acesso à leitura literária (e não apenas ao letramento), como parte de um projeto educacional em que também se destaca a construção de uma faculdade municipal, onde certamente os filhos dos que hoje trabalham nos canaviais e nas pousadas da praia do Francês poderão estudar (e estudar de verdade, nada de “ensino a distância”, coisa bastante duvidosa desde os filósofos pré-socráticos).
Saio da FLIMAR mais uma vez encantado e sobretudo entusiasmado, no sentido grego da palavra: carregando deus dentro de si. Uma vasta programação na escola técnica federal com palestras e oficinas, bem como nas escolas públicas e nas praças. Concertos nas igrejas, exposições, apresentações de grupos folclóricos, contação de histórias, concurso de redação. Cabe destacar também as tradicionais bandas filarmônicas da cidade e a expressiva presença de cordelistas. Estudantes e professores de outros estados brasileiros também estiveram presentes à festa alagoana, saudando o trabalho árduo da equipe que ao lado de mais de quarenta escritores deu ainda maior envergadura a essa segunda edição da FLIMAR, que em meio ao casario colonial e a um cenário paradisíaco estende também seus braços a escritores de outros países (Argentina, Bolívia, Moçambique).
Como ainda carrego Descartes na maleta, pude observar que o tradicional “fuso horário” de 60 minutos que alegremente se vê em Marechal Deodoro diminuiu este ano para 45 minutos. Deve chegar a 30 minutos no próximo ano, mas jamais a menos que isso, o que é muito bom: como a garça, a FLIMAR não tem pressa em existir, pois sabe que veio para ficar.”

Ovídio Poli Junior
(Paraty - RJ)

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