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sexta-feira, 1 de abril de 2011

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA

  NA CONTRAMÃO

RONALD MENDONÇA
MÉDICO



Eleito braço moral da era Lula, a morte do ex-vice-presidente José Alencar despertou comoventes e arrebatados depoimentos. Em busca de mártires e heróis, a mídia tem se empenhado   a enaltecer  as virtudes do falecido, agora hiperbólicas. Nascido numa pequena cidade de Minas, desde os sete anos teria trabalhado na loja do pai. Ainda adolescente, trocaria o balcão paterno por outro estranho. Três anos após, aos dezoito, inauguraria sua primeira loja. Nunca mais seria pobre.
O preço por essa precoce aptidão para os negócios se refletiria na modesta escolaridade formal, detalhe que seria superado por invejável e surpreendente facilidade de expressar-se. Com efeito, era mais desenrolado que muito doutor de canudo.
A carreira político-partidária foi meteórica. Eleito senador, ganhou a simpatia de Lula,  escorraçado por três acachapantes derrotas sucessivas. O ladino ex-torneiro enxergaria no empresário  a via real para ganhar a confiança da população – sobretudo classe média - e ajudar a levar seu grupo de espertinhos ao poder.
José Alencar tinha um jeitão despachado  que cativava.  Matreiro, o bom jogo de cintura ficou claro quando tirou de letra vociferante vaia dos “puros” do PT. Como vice, decepcionou subindo no muro no escândalo do mensalão. As agruras de sua doença, a forma como reagia a novas recaídas e cirurgias foram irisando a figura de quase divina resiliência. A ausência de sua proverbial postura de político ético não seria muito cobrada. O câncer o protegia de maiores atitudes. Fez jogo de cena “condenando” os juros altos, mas foi mais uma vez omisso no caso Erenice e pimpolhos.  Pisaria na bola ao recusar  a possibilidade de uma paternidade incômoda. Uma pena.
 Na contramão dos comentários, não obstante invulgar cumplicidade com Deus, não considero Alencar  modelo ideal de perseverança na busca pela cura. Na realidade, o ex-vice foi  beneficiário de uma mega-estrutura financeira e midiática (creio bancada pelo erário), que abusou dos limites da medicina. Grande foi o lobby médico-hospitalar. No fim das contas, a inquebrantável convicção de que  usuários de SUS e convênios jamais terão oportunidades terapêuticas nem parecidas.
Tampouco o admiro  como um gênio  do empreendedorismo. Num país que tem um iluminado como Lulinha Júnior (nosso Bill Gates), Alencar não passa de um mascate. Nem preciso ir tão longe. Aqui mesmo, na terrinha, vulgarizou-se o desabrochar de gênios  financeiros a partir de prosaicos mandatos eletivos.


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