O RETIRO
Na adolescência conviveu com as primas,
festas, clubes. Namorou todas as primas possíveis. Afirmava, “priminha não é
irmãzinha”.
Quis o destino, casou-se com uma prima, bela
sertaneja criada com leite de jumento, disposta e ciumenta. Ela adorava o
bigodinho à lá Clark Gable do marido, ares
de galã do cinema.
Nosso
herói tinha medo da destemida esposa, fazia estripulias bem escondidas. Arnaldo
nunca foi de deixar as coisas acontecerem, quando podia, a imaginação
funcionava, inventava viagens e reuniões para ter nos braços alguma quenga, não
interessava, fosse mulher, bastava.
No início do ano, Arnaldo conheceu uma
morena, bonita, vistosa, quarentona, todas as carnes no lugar, durante uma
festa na casa de um amigo. Ela em férias, do Recife, muito divertida. Durante a
conversa, Rosa deu opiniões avançadas, achava casamento enfadonho, havia
passado por dois. Afirmou, na vida para
valer todos somos solteiros, ninguém é
de ninguém, deu uma discreta piscada de olhos para Arnaldo. Ele estremeceu na
cadeira.
Na saída Arnaldo distribuiu alguns cartões de visita, o objetivo era Rosa,
ao receber deu um sorriso malicioso. Ele conseguiu cochichar: “telefone-me”.
Em casa, Gal comentou, Rosa tinha cara
de piranha, se oferecendo aos homens. Ainda bem que havia respeitado sua
presença, não deu em cima de seu marido, se acontecesse ela abria no pau. Ele
só dizia: "Que nada meu amor!"
Na segunda-feira Arnaldo
trabalhava no escritório, o celular tocou, era Rosa, ele quase explode de alegria.
Conversaram algum tempo, marcaram, três da tarde, defronte ao Memorial Teotônio
Vilela, praia da Pajuçara.
Não atrasou, de longe enxergou a
morena, vestido vermelho. Parou o carro, ela entrou, seguiram para o motel.
Arnaldo estava pleno de alegria. Ele não se apaixona, simplesmente tem prazer
em estar com mulher, de flertar, de amar, a coisa mais sublime na vida. Uma
aventura com uma bela mulher, era o êxtase.
Rosa extremamente divertida, passou alguns
dias na cidade, saindo, quando podia com nosso Arnaldo. Convidou-o a passar o
carnaval no Recife, aliás, em Olinda onde morava. Ele iria conhecer o melhor
carnaval do mundo.
Afinal ela retornou, o trabalho
chamou-a, deixou Arnaldo matutando como fugir para o Recife no carnaval. No domingo ele leu no jornal, haveria um
retiro espiritual para evangélicos no litoral norte, durante o carnaval.
Arnaldo imediatamente começou a frequentara
Igreja, confessou à mulher, uma voz forte o chamara. Gal ficou impressionada, temente
a Deus, deu incentivo que o marido fosse à igreja evangélica. Ao chegar em casa,
abria a bíblia, orava, dizia para si mesmo: “Olinda vale uma reza”.
Nas vésperas do carnaval informou à
esposa: Faria um retiro espiritual, só homens, no litoral norte durante os
quatro dias, de sábado à quarta-feira. Gal ficou encantada com a transformação
do marido, concordou. Ela aproveitaria para visitar a família na fazenda perto
de Cacimbinhas durante o carnaval. Os dois filhos, já homens, se viravam.
Arnaldo se inscreveu para o retiro, com
seu nome na relação, pagou os dias de hospedagem no hotel do litoral norte.
No
sábado de carnaval, quando Gal partiu no carro da irmã para Cacimbinhas,
avisou, por recomendação da direção do retiro, o celular ficaria
desligado, deu um número para emergência.
Arnaldo partiu para o retiro. Conheceu companheiros, orou, saiu a caminhar com
a turma. Ao cair da tarde do domingo, avisou, dormiria fora, pegou o carro,
tomou rumo de Pernambuco. Chegou conforme combinado, Rosa deu-lhe uma fantasia
de mascarado, pulou a noite toda subindo e descendo as ladeiras de Olinda. Hospedado
na casa da namorada, passou o maior carnaval de sua vida nos braços da morena,
fazendo o passo nos acordes do Vassourinhas, cantando Evocação e o Frevo da
Saudade.
Rosa tentou ele ficar na quarta-feira de
cinzas no Bacalhau do Batata. Mas o pavor que tinha da esposa fez com que ele
dormisse na terça-feira no hotel do retiro, assistiu o encerramento. Se a
mulher descobre, seria homem morto.
Até hoje Gal não entendeu o surto de fé
de Arnaldo no início daquele ano. Ele sempre responde: São fases da vida, fases
da vida.
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